segunda-feira, 31 de julho de 2017

O último dia da Flip: representatividade negra e poder da fabulação


Na primeira mesa do domingo (30/07), as escritoras Ana Miranda e Maria Valéria Rezende ocuparam o palco do Auditório da Praça e contaram como se aproximaram do universo da escrita, relembraram passagens marcantes da infância e sobre o fato de também escreverem para o público infantojuvenil. As autoras falaram também sobre o poder da fabulação nos livros destinados às crianças.

O público prestigiou as diversas atividades da 15ª edição da Flip
A mesa "Amadas" reuniu as escritoras negras Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves, que falaram de representatividade, mitos religiosos e produção literária. Mestre e doutora em literatura, Conceição pontuou: "Quero escrever um texto que se aproxime o máximo possível de uma linguagem oralizada, aproximá-lo da língua viva do cotidiano".

Encerrando a 15a Festa Literária Internacional de Paraty, a já estabelecida "Mesa de Cabeceira" reuniu autores que participaram de conversas no decorrer da semana, apresentados pela presidente da Flip, Liz Calder. Alberto Mussi, Ana Miranda, Djaimilia Pereira de Almeida, Patrick Deville, Paul Beatty, Scholastique Mukasonga e William Finnegan. Os escritores foram convidados a fazer leitura de trechos de seus livros favoritos.

A 15ª edição da Flip terminou com literatura e celebração coletiva, espírito que permeou os cinco dias de festa.

A escrevivência de Conceição Evaristo e a visibilidade negra na literatura

“Quando o negro se sente representado em um festival, quebra o estereótipo de que negro não lê, não comparece a eventos literários”: assim começou Conceição Evaristo – premiada escritora, vencedora de um Jabuti, além de mestre e doutora em literatura e um dos principais nomes da memória negra brasileira. Intitulada “Amadas”, a mesa trouxe ao palco da Flip uma conversa entre Conceição e a também escritora Ana Maria Gonçalves, que dá palestras sobre a questão racial, tema principal da conversa no Auditório da Matriz, na penúltima mesa da 15ª edição.

As escritoras Conceição Evaristo, vencedora de um Jabuti, e Ana Maria Gonçalves
Conceição falou da importância de escritoras negras ocuparem mais e mais espaços de visibilidade, e disse que a conquista resulta de uma força coletiva, especialmente das mulheres. Comentou a forma como os negros são retratados na literatura - de “maneira rasa” - e sobre como as mulheres negras não possuem “fecundidade” nos livros. Ao explicar seu ponto, Conceição comentou que, na mitologia cristã, Eva é a mulher que representa a perdição da humanidade, enquanto Nossa Senhora simboliza a salvação, dada por meio da maternidade. “Se nós vivemos sob a orientação desse mito, me pergunto se a negação da mulher negra fecundante na literatura brasileira não é uma negação das matrizes africanas em nossa nacionalidade”.

Conceição recorreu a mais um simbolismo religioso para contextualizar questões de silenciamento do povo negro. Devota de Anastácia, cultuada como santa nas religiões afro-brasileiras, explica a imagem da negra escrava amordaçada. “Aquela máscara de Anastácia simboliza o silêncio. Mas acho que reverbera em grito. Nós, o povo dominado, aprendemos a falar por trás da máscara, e estilhaçamos a máscara. A grande simbologia disso é estar aqui rompendo ela, na Flip.” A escritora fez um agradecimento especial à curadora, Joselia Aguiar, por sua sensibilidade em trazer a temática negra para o centro do debate.

Atravessada por falas de afeto e resistência, Ana Maria perguntou a Conceição como amar em tempos tão difíceis, especialmente para os negros. “Tem um projeto histórico de nos apartarmos uns dos outros. […] Os laços afetivos nos permitem sobreviver nessa sociedade. Amamos e nos damos, nos damos e amamos”.
Em dado momento, pontuou a dificuldade das mulheres negras em publicar livros. “Nunca nos dão a competência da arte literária. Há um imaginário de que dançamos, cozinhamos, cuidamos bem de uma casa. Somos sim capazes de lavar, de passar, mas também de dar aula, de exercer a medicina, de sermos políticas, de sermos professoras, de sermos escritoras”, ressaltou ela, que inclusive trabalhou como educadora no bairro do Caju (RJ), na década de 1970.
Termo criado por Conceição, escrevivências define a escrita marcada por suas experiências como mulher negra. E acrescentou: "Quero escrever um texto que se aproxime o máximo possível de uma linguagem oralizada, aproximá-lo da língua viva do cotidiano".
Por fim, falou de suas referências literárias e musicais, citou Nina Simone, Elza Soares, Angela Davis e Carolina Maria de Jesus, conhecida sobretudo por Quarto de despejo. Conceição associou Carolina a Lima Barreto e relatou que a crítica lê a obra da autora principalmente pelo viés da pobreza e da exclusão. “Isso é esvaziar sua humanidade, suas angústias, para além da pele e da carência material das mulheres negras. Carolina me lembra muito Lima Barreto, aquela tristeza e a certeza de sua potencialidade, que não conseguia ser valorizada. Não tiveram o lugar que era deles”.


"Livro de cabeceira" reúne os autores participantes da Flip

Encerrando a 15a Festa Literária Internacional de Paraty, a já estabelecida Mesa de Cabeceira reuniu autores que participaram de conversas no decorrer da semana, apresentados pela presidente da Flip, Liz Calder. Alberto Mussi, Ana Miranda, Djaimilia Pereira de Almeida, Patrick Deville, Paul Beatty, Scholastique Mukasonga e William Finnegan. Os escritores são convidados a fazer leitura de seus livros favoritos.

Os autores da Flip durante a leitura do "Livro de Cabeceira"
Alberto abriu a sessão, dada em ordem alfabética, e fez uma introdução à obra que escolheu: “É um dos livros mais importantes da literatura brasileira, escrita por um indígena mestiço, em tupi guarani”. Relembrou que o Brasil possui mais de 200 línguas indígenas não inseridas na cultura nacional. Leu então um extrato de A lenda de Jurupari, de Ermanno Stradelli e Maximiano José Roberto.

Ana Miranda escolheu ler jovens autores de sua terra natal, o Ceará, e fez reverberar no Auditório as vozes de Tercia Montenegro, em extrato de Turismo para Cegos; Jayson Viana Aguiar, autor de O vermelho do céu; e Pedro Salgueiro, por meio de trecho de Limites.

O capítulo “Um coração simples”, de Três contos, do francês Gustave Flaubert, foi lido por Djaimilia Pereira de Almeida. “Ando sempre com este livro. Acho um prodígio absoluto que, em quarenta páginas, se possa viver a vida inteira de uma mulher”.


Patrick Deville leu as duas primeiras páginas de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. Na sequência, Paul Beatty fez a leitura do início de O homem que era quinta-feira, de GK Chesterton. Scholastique Mukasonga escolheu Olivier, de Jérôme Garcin, enquanto William Finnegan recitou versos de dois poetas, Wallace Stevens e Hart Crane, de Treze maneiras de olhar para um merlo e Viagem I e II, respectivamente. Chamada em inglês de “Desert Island Books” [Livros para ilhas desertas, em tradução livre], o título chamou atenção de William: “Tive que rir quando vi o tema desta sessão, porque, de forma inexplicável, passei grande parte da minha vida em ilhas desertas, esperando por uma boa onda para surfar. Estar sem livro enquanto você espera é terrível. Então tive muito tempo para pensar qual livro gostaria de ter comigo”, dividiu com a plateia.  

Fotos: Walter Cordeiro / Divulgação


domingo, 30 de julho de 2017

Penúltimo dia da 15ª Flip: a escrita para o futuro, resistência pela palavra e mitologia


Uma conversa sobre o poder formador da literatura infantil e a urgência de investir em educação abriu o sábado, penúltimo dia da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. Os poetas e professores Edimilson de Almeida Pereira e Prisca Agustoni participaram da mesa "Ler o mundo", parte da programação do Território Flip/Flipinha, apresentada no Auditório da Praça. Edimilson pontuou as dificuldades do acesso ao livro num país desigual como o Brasil: "Lamentavelmente, as dificuldades do ensino público fazem com que os alunos não consigam ser leitores. Tem antes que comer, chegar à escola. Existe uma vasta camada de excluídos. Nosso esforço é, portanto, ainda maior, nosso compromisso com uma literatura honesta vai na direção de incluir esse campo de leitores à nossa esfera social. A literatura infantil é um dos núcleos instituintes da leitura no Brasil."

Os poetas e professores Edimilson de Almeida Pereira e Prisca Agustoni

Já no Auditório da Matriz, o historiador João José Reis e Ana Miranda, autora de romances históricos e biografias, falaram sobre as fronteiras entre realidade e ficção no processo de recontar a história do Brasil e de seus personagens emblemáticos. "O que era ficção e o que era realidade não era claro para mim. Durante muitos anos eu tive pesadelos, pensava se podia tratar a realidade assim. Eu vivia numa espécie de limbo", contou Ana, que assina "Xica da Silva - A cinderela negra". João, referência internacional em estudos sobre a escravidão, ressaltou a importância de inserir estudos africanos no currículo do ensino de base e criticou a reforma trabalhista empreendida pelo atual governo. "Há um massacre aos índios, aos trabalhadores sem terra [...] Não é ficção. Esqueçam a ficção. O que estamos vivendo está muito bem documentado, inclusive para os historiadores do futuro."

Ana Miranda e João José Reis
A poeta Adelaide Ivánova fez uma participação contundente na série "Fruto Estranho", que abriu a mesa "Kanguei no maiki - Peguei no microfone". A pernambucana leu texto de sua autoria, uma costura asfixiante de histórias de feminicídio, tanto recentes quanto egressas da ditadura militar. Os autores convidados da mesa, Maria Valéria Rezende e Luaty Beirão, são também ativistas e resistiram - por meio da palavra - a experiências de encarceramento e a regimes autoritários. "Na prisão não temos com quem conversar, a escrita era meu desabafo", relatou o autor angolano.

Na contramão da autoficção, um gênero tão já tão característico da contemporaneidade, o islandês Sjón e o carioca Alberto Mussa traçaram uma ponte entre o Rio e Reykjavík na mesa "Mar de histórias". O autor nórdico pontuou que nunca sentiu necessidade de contar a própria história: "É possível ser bastante autobiográfico sem falar de si mesmo no texto [...] A máscara fala mais de uma pessoa do que o rosto que está por trás dela". Em comum, os dois autores carregam também a grande importância que atribuem à mitologia – via tradição oral nórdica no caso de Sjón, e Mussa, por meio da matriz afro-brasileira.

À noite, o Auditório da Matriz foi palco do encontro entre a jornalista argentina Leila Guerriero e o escritor francês Patrick Deville, sob mediação do editor Paulo Roberto Pires. Criação, partitura, realidade e ficção pautaram o debate durante a mesa "Trótski nos trópicos". Aficionada como é por contar a realidade, Leila diz ver na forma e na estrutura das frases possibilidades de criação, de subjetividade. "A gente se submete a cada coisa...tem que lutar contra o cansaço físico e o tédio", afirmou a jornalista, sobre a sua profissão. André Vallias abriu a mesa, como parte da série "Frutos estranho", com a videoarte "Moteto", combinando sons e imagens de textos de Lima Barreto a vinte pseudônimos do Autor Homenageado.


Marlon James, Paul Beatty e o mediador Ángel Gurría
encerramento da noite ficou por conta dos colecionadores de prêmios Marlon James, jamaicano radicado em Minnesota, e Paul Beatty, californiano residente em Nova York, com um debate especialmente frutífero. Juntos no Auditório da Matriz, os dois autores negros percorreram influências musicais, televisivas e literárias – de Led Zeppelin a Gay Talese, de Os Batutinhas a Mark Twain – para traçar um panorama dos dias atuais, incluindo-se aí a questão racial. "As pessoas me perguntam: alguém não negro poderia ter escrito seu livro? E eu respondo: nenhum outro ser humano poderia ter escrito meu livro", arrematou Paul, vencedor do Man Booker Prize - mesma honra concedida a Marlon.

Fotos: Divulgação  Flip


sábado, 29 de julho de 2017

Depoimentos sobre racismo emocionam visitantes e palestrantes no terceiro dia da 15ª Flip


A professora Diva Guimarães foi muito aplaudida pelo público da Flip
A 15ª edição da Flip teve uma manhã de sexta-feira catártica: na mesa "A Pele que Habito", com o ator Lázaro Ramos e a jornalista Joana Gorjão Henriques, discutiu-se racismo, exclusão e liberdade. A conversa trouxe à tona um depoimento emocionante de Diva Guimarães, 77 anos. A professora aposentada, que estava na plateia, relembrou passagens da sua infância por cerca de dez minutos - sua mãe lavava roupas em troca de caderno e lápis para que ela pudesse estudar. Quando menina, morava em Curitiba e ouvia histórias absurdas contadas por freiras do colégio para "justificar" as "diferenças" entre negros e brancos. Saídas em voz engasgada, as palavras de Diva comoveram o público e os autores convidados. "Quer matar a gente do coração, professora?", disse Lázaro.

Lázaro Ramos se emocionou com as palavras da professora Diva Guimarães
Duas mesas sobre Lima Barreto, o Autor Homenageado, compuseram a programação do terceiro dia da Flip. A linguagem inovadora do escritor e o fato de sua literatura ser voltada para os oprimidos foram temas essenciais da mesa "Moderno antes dos modernistas", com Antonio Arnoni Prado (um dos pioneiros nos estudos sobre o Lima, já na década de 1970) e Luciana Hidalgo (jornalista e escritora, também estudiosa da obra do autor). Luciana elucidou que Lima "usou a língua do dominador para falar dos dominados" e Antonio pontuou que ele queria "que a literatura servisse para a união das pessoas".

Os pesquisadores Luiz Antonio Simas e Beatriz Resende estiveram na outra conversa dedicada a pensar a obra do Autor Homenageado. Na mesa "Subúrbio", a terceira do dia, falaram sobre as margens da antiga capital federal, bairros para os quais, como apontou Simas, "o Cristo Redentor fica de costas". Para Beatriz, o escritor foi o primeiro a incluir essa dimensão da cidade na literatura brasileira. No início do encontro, a poeta Prisca Agustoni declamou poemas em diferentes idiomas, como parte da série "Fruto Estranho".

Na tarde de sexta-feira, Pilar del Río dividiu o palco do Auditório da Matriz com o mediador Alexandre Vidal Porto. A jornalista espanhola, presidente da Fundação José Saramago — e companheira do escritor até a morte dele, em 2010 — falou de direitos humanos, feminismo, da vida ao lado do marido, de militância política e de sua infância. Já de início afirmou que, desde pequena, sentiu presente o sexismo. "A mulher estava submetida ao homem, minha mãe não podia viajar sem autorização do meu pai", algo só alterado na Constituição espanhola de 1978. Pilar falou sobre como as mulheres hoje já não estão submetidas ao patriarcado, mas que muitas ainda sofrem violência doméstica e que por isso não podemos silenciar.

Pilar del Rio
A noite começou eletrizante com a intervenção do poeta Ricardo Aleixo no "Fruto Estranho", antes do encontro entre a escritora chilena Diamela Eltit e o documentarista Carlos Nader. Aleixo encenou um misto de dança, rito e declamação e fez ouvir: "A vida como um anti-boi de Parintins. Porque nada é caprichoso. Nada é garantido". Enquanto a autora chilena falou sobre literatura, militância feminista e democracia, o documentarista relembrou a produção de seus filmes sobre Waly Salomão, Leonilson, entre outros.


A sexta-feira se encerrou no Auditório da Matriz com um rico diálogo entre os escritores William Finnegan e Deborah Levy, na mesa "Por que escrevo". Ambos comentaram os efeitos do apartheid em suas obras - Deborah é sul-africana, e William foi professor de uma comunidade de crianças negras durante o regime de segregação.


sexta-feira, 28 de julho de 2017

Segundo dia da Flip 2017: memórias de guerra, autoficção e resistência pela palavra


Duas autoras que trabalham com memória dividiram a última mesa do segundo dia da Flip, uma das atrações mais aguardadas da 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, que vai até domingo (30). Mais especificamente, com a memória da mãe - ou, ainda, com a memória da mãe em contextos históricos marcados pela guerra e pelo extremismo: a Shoah, no caso de Noemi Jaffe, e o genocídio de Ruanda, tema de Scholastique Mukasonga.

Scholastique Mukasonga, Noemi Jaffe e a mediadora Anabela Mota Ribeira
As duas autoras falaram das possibilidades da escrita como testemunho – lembrar para não esquecer, lembrar para redimir a memória; escrever por necessidade, por dever ou por ambos. "O genocídio de Ruanda fez de mim escritora. A escrita foi um modo de dar uma sepultura aos meus, tirá-los da vala comum e construir uma sepultura de palavras, uma tumba de papel", explicou Scholastique, sobre o genocídio do qual sua mãe e outros membros de sua família foram vítimas, em 1994.

Antes, teve lugar no Auditório da Matriz uma conversa sobre a tradução do grego para o português: a mesa "Odi et amo", com o lisboeta Frederico Lourenço e o brasiliense Guilherme Gontijo Flores, ambos tradutores do idioma de Homero. Mediados por Ángel Gurría-Quintana, os convidados defenderam a autonomia do texto traduzido e animaram o público no Auditório da Matriz ao declamar em grego. No mesmo encontro, a dramaturga Grace Passô apresentou a performance "Parto", parte da série "Fruto estranho", novidade desta edição. Voltada à ideia de transformar a leitura do texto em experiência teatral, a intervenção combinou palavras e movimentos.

 Julián Fuks e Jacques Fux em debate nesta quinta-feira (27)
A mesa quatro mostrou que os escritores Jacques Fux e Julián Fuks compartilham muito mais do que a sonoridade do sobrenome. Reunidos na tarde de quinta-feira no Auditório da Matriz, os dois autores, expoentes do gênero autoficção, conduziram uma conversa em torno das motivações e desafios da escrita, num encontro carregado de sutilezas e auto-ironia. A fronteira entre real e ficção deu o tom do diálogo. "Não me interessa nunca a postura perigosa e niilista de romper com tudo em nome da literatura. Prefiro falar do que a gente tem dificuldade de falar. Não é algo agressivo; é, ao contrário, um gesto de aproximação", explicou Julián.

Na mesa "Pontos de fuga", a terceira do segundo dia da Flip, três mulheres da novíssima literatura em língua portuguesa se encontraram no Auditório da Matriz. A angolana Djaimilia Pereira de Almeida, a carioca Carol Rodrigues e a gaúcha Natalia Borges Polesso transitam entre estudos acadêmicos e escrita literária, mas foi nesta última que estabeleceram de vez sua produção textual. Sob mediação do professor de Estudos Lusófonos Leonardo Tonus, a conversa se estabeleceu nos temas centrais de cada uma, que envolvem identidade, subjetividade, feminino e forma e gêneros literários. Autora de "Esse cabelo", Djaimilia descreveu o processo de mergulho na identidade da mulher negra e em suas próprias origens. Antes dos participantes entrarem no palco, foi exibido no telão um videopoema de Josely Vianna Baptista, parte da série "Fruto estranho", com passagens sobre o etnocídio indígena.

A angolana Djaimilia Pereira de Almeida
Ao meio-dia, na primeira mesa do dia no Auditório da Matriz, os pesquisadores Beatriz Resende, Felipe Botelho Corrêa e Edimilson de Almeida Pereira abordaram os ecos e novas vertentes de pesquisa abertos pela obra do Autor Homenageado. A discussão sobre racismo e marginalização também pontuou a fala de Edimilson. "Lima escrevia com assombro, escrevia com susto", disse, referindo-se a essa escrita que nasce de "um corpo em risco, [um] corpo ameaçado".


Tais "corpos ameaçados" assumiram o protagonismo da mesa Zé Kleber, realizada no Auditório da Praça, na programação do Território Flip/Flipinha. Laura Maria dos Santos, arte-educadora da comunidade quilombola Campinho da Independência, de Paraty, se juntou a Álvaro Tukano, escritor e pensador indígena do Alto Rio Negro, e Ivanildes Kerexu Pereira da Silva, da aldeia Guarani Mbya Itaxi e ativista pelo direito das mulheres, das crianças e dos indígenas. Em pauta, esteve a sobrevivência das comunidades tradicionais. "A gente está aqui para viver nesta terra, não para morrer", resumiu Laura.

Fotos: Divulgação Flip

quinta-feira, 27 de julho de 2017

A obra do escritor carioca Lima Barreto está em discussão na 15ª Flip, que acontece até o dia 30, em Paraty


Esta edição da Festa Literária Internacional de Paraty resgata a trajetória de um homem que se estabeleceu como escritor no Rio de Janeiro, capital da Primeira República e da cultura literária do país. Em um meio marcado pela divisão de classes e pela influência das belas letras europeias, era difícil para um autor brasileiro com as suas origens afirmar seu valor. Foram necessárias várias gerações para que se consolidasse o nome do criador de uma das obras mais plurais e inovadoras da literatura brasileira, que permite tanto o apreço do leitor quanto reflexões nos campos da literatura, da história e das ciências sociais.


Sobre o autor
Afonso Henriques de Lima Barreto nasce no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881. Perde a mãe, Amália Augusta, escrava liberta e professora, quando tinha seis anos, ficando sob os cuidados do pai, o tipógrafo João Henrique, que, poucos anos depois, é diagnosticado como neurastênico, o que o levaria a ficar recolhido pelo resto da vida. A doença do pai o obriga a deixar a Politécnica para sustentar a família como Amanuense do Ministério da Guerra.
 
Inicia sua colaboração regular para a imprensa em 1905, no Correio da Manhã. O jornal, extinto em 1974, serviu de inspiração para a criação de Recordações do Escrivão Isaías Caminha, publicado em 1909. Pelas críticas à imprensa no livro, Lima Barreto é retirado do quadro de colaboradores do Correio da Manhã e tem proibida qualquer citação ao seu nome nas páginas do diário, mesmo trinta anos depois de sua morte. Passa a colaborar, sob pseudônimo, para revistas como a Fon-Fon e Revista da Época, fazendo uma crítica social e política do Rio de Janeiro e o Brasil.

Em 1911, escreve e publica Triste fim de Policarpo Quaresma em folhetim do Jornal do Commércio. O livro seria editado em livro quatro anos depois. Lima, devido ao alcoolismo, é internado pela primeira vez no hospício em agosto de 1914, repetindo a tragédia pessoal de seu pai. A primeira internação serve, contudo, de inspiração para sua obra a posteriori.

Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, livro que dialoga com o gênero biográfico, é publicado em 1919. No dia 25 de dezembro deste ano, o autor é internado pela segunda vez. Lima Barreto morre, aos 41 anos, em 1º de novembro de 1922, Dia de Todos os Santos. No dia 3 de novembro, morre seu pai. Clara dos Anjos, livro que foi escrito e reescrito durante quase toda a vida de Lima, é publicado em livro no mesmo ano de sua morte.


A obra de Lima Barreto passa por um resgate e uma refundação a partir da biografia publicada por Francisco de Assis Barbosa, A vida de Lima Barreto, e da recuperação de seus escritos, feita a partir do acervo pessoal catalogado pelo próprio autor.

Lima Barreto torna-se objeto de estudo de intelectuais de referência em diversas áreas da inteligência brasileira, como Antonio Candido, Nicolau Sevcenko, Osman Lins, Alfredo Bosi, Antonio Arnoni Prado, Beatriz Resende e Lilia Schwarcz.


“Por muito tempo Lima Barreto ficou na ‘aba’ de literatura social, e sua obra e trajetória possibilitaram muitos debates sobre a sociedade brasileira. O que eu gostaria, mesmo, é que a Flip contribuísse para revelar o grande autor que ele é. Para além das questões importantíssimas sobre o país que ajuda a levantar, tem uma expressão literária inventiva e interessante, à frente de sua época em termos formais, capaz de inspirar toda uma linhagem da literatura em língua portuguesa”, afirma Joselia Aguiar, curadora da Flip 2017.


“O Lima é o autor de um território. O universo literário dele é determinado pela criação da Avenida Central, do Rio de Janeiro, que estabelece os diferentes graus de distância dos subúrbios com a Zona Sul e o Centro da Cidade”, afirma Mauro Munhoz, diretor-geral da Flip. “O olhar do Lima sobre a variedade de personagens brasileiros – seja nos subúrbios, seja nas regiões centrais – é determinado pela experiência do território onde viveu por quase toda a vida. Desse modo, sendo um grande autor, ele fez valer a máxima ‘Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia’, do Tolstói.”

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Começa hoje (26) a 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip)


A cidade de Paraty, no estado do Rio de Janeiro, sedia, a partir de hoje (26), a 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A abertura será às 19h15, no Auditório da Matriz, com a mesa literária Lima Barreto: Triste Visionário. Com direção de cena de Felipe Hirsch, o ator e escritor Lázaro Ramos e a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz debaterão a vida e a obra do escritor carioca Afonso Henriques de Lima Barreto, homenageado deste ano pela Flip.

Lima Barreto, o homenageado da 15ª Flip
O show de abertura, às 21h30, no Auditório da Praça,  estará a cargo do pianista André Mehmari, que vai executar a Suíte Policarpo, criada para o evento, inspirada no mundo de Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto.

Na avaliação da secretária de Cultura de Paraty, Cristina Maseda, a Flip é “extremamente importante. São 15 anos que a cidade tem a festa literária. Nota-se um impacto impressionante na vida cultural, no reconhecimento de Paraty como um destino de cultura, como uma cidade onde a cultura tem um lugar preponderante diante dos outros setores”, disse.


Segundo a secretária, a área cultural dos paratienses cresceu muito com a Flip, tornando o município conhecido. Cristina lembrou que, além da Flip, Paraty é sede do Paraty em Foco, festival de fotografia; do Mimo, festival de música; do Encontro de Ceramistas, sem falar na Festa do Divino, que é patrimônio cultural do Brasil. “Colocam Paraty em uma posição de destaque entre as cidades com até 50 mil habitantes do Brasil”, argumenta.

O grande legado da Flip, da Flipinha, que é voltada para o público infanto-juvenil, e da Flipzona, que incentiva a leitura e a produção cultural por meio de novas mídias, é o forte impacto no índice de leitura da população, afirmou Cristina.

Todas as escolas municipais contam hoje com acervos de literatura infantil e juvenil de alta qualidade. “As crianças leem mais, há hora de leitura nas escolas, a literatura hoje na cidade tem um destaque importante”. Antes da Flip, a secretária informou que “não havia sequer um livro infantil na cidade. Daí a Flip ter uma importância enorme”, contou.

Programação
Na quinta-feira (27), a programação da Flip começa às 10h, com a mesa literária Zé Kleber, no auditório da Praça, Território da Flipinha, com o tema Aldeia. Participarão o diretor do Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, Álvaro Tukano, símbolo da resistência indígena no Amazonas nas últimas quatro décadas; a ativista Ivanildes Kerexu Pereira da Silva, uma das lideranças da Aldeia Guarani Mbya Itaxi; e a quilombola Laura Maria dos Santos.


O programa oficial ocorrerá no Auditório da Matriz, a partir das 12h, com a mesa Arqueologia de um Autor, da qual participam os escritores Beatriz Resende, Edimilson de Almeida Pereira e Felipe Botelho Corrêa. Depois, haverá às 15h a mesa Pontos de Fuga, com Carol Rodrigues; a escritora de Luanda, África, Djaimilia Pereira de Almeida, além de Natalia Borges Polesso. A mesa será precedida pela série de intervenções poéticas e performáticas intitulada Fruto Estranho, a cargo da poeta paranaense Josely Vianna Baptista (em vídeo).

Às 17h15, a mesa Fuks&Fux reunirá os autores Jacques Fux e Julián Fuks, do Brasil. Às 19h15, após a série Fruto Estranho, com apresentação da atriz Grace Passô, haverá a mesa Odi et Amo, com o tradutor e escritor português Frederico Lourenço e o poeta brasileiro Guilherme Gontijo Flores. Encerrando a programação do dia 27, será realizada às 21h30 a mesa Em Nome da Mãe, da qual participarão as escritoras Noemi Jaffe, do Brasil, e Scholastique Mukasong, natural de Ruanda, África.

Na sexta-feira (28), o ator e escritor Lázaro Ramos e a autora portuguesa Joana Gorjão Henriques debaterão a questão racial às 10h, no Auditório da Praça, dentro do Território Flip/Flipinha. No Auditório da Matriz, acontece a programação oficial, a partir das 12h, com a mesa Moderno Antes dos Modernistas.

Lázaro Ramos

Participarão Antonio Arnoni Prado, pioneiro no estudo de Lima Barreto, e a escritora e jornalista Luciana Hidalgo. Às 15h, será a vez da mesa literária Subúrbio, com Beatriz Resende e Luiz Antonio Simas, após a apresentação da poeta Prisca Agustoni, suíça de nascimento, mas moradora no Brasil. A Festa Literária Internacional de Paraty será encerrada no domingo, dia 30.

Flipinha/Flipzona
Haverá eventos também voltados para o público infantil, como encontros com os autores, na Praça da Matriz na Central, na chamada Flipinha.  As árvores da praça, como ocorreu em anos anteriores, serão transformadas em pés de livros. Nelas, ocorrerão atividades de leitura, conduzidas por adolescentes de Paraty que passaram pelo programa de Formação de Mediadores de Leitura. O local será ainda ponto de partida de vários cortejos literários.

Na Flipzona, que é um espaço para diálogos, serão exibidos filmes e documentários seguidos de debates, mesas literárias e rodas de conversa.

O programa Flipinha/Flipzona prevê no dia 26 duas sessões de cinema na Casa da Cultura, com os filmes Kiriku, os Homens e as Mulheres, a animação francesa, Jonas e o Circo sem Lona, documentário do Brasil, além de roda de conversa sobre Leitura: um Direito Humano.

No dia seguinte (27), estão programadas sessões de cinema a partir das 10h, na Casa de Cultura, com os documentários brasileiros Waapa, Meninos e Reis, Disque Quilombola, Curtas do Território do Brincar. Às 11h30, haverá o primeiro Cortejo Literário, com Julián Fuks, na Central Flipinha. Às 13h, tem roda de conversa Pacto pela Leitura, na Casa da Cultura, e novo Corte Literário na Central Flipinha, às 14h30, com Ovídio Poli Jr. Às 15h30, sessão do filme A família Dionti, na Casa da Cultura, seguida de debate.

Na sexta-feira (28), o programa será aberto às 10h, na Casa da Cultura, com filme Minidocs Paraty. No mesmo local, os escritores Evanilton Gonçalves, Geovani Martins e Paloma Amorim debatem Prosa: a literatura que o Brasil faz e você desconhece, às 11h15. Segue-se Cortejo Literário, às 11h30, com Flávio de Araújo, partindo da Central Flipinha. No mesmo local, haverá uma meditação guiada, às 13h30, seguida de novo Cortejo Literário com a autora Djaimilia Pereira de Almeida, às 14h30.

Outra mesa literária ocorre na Casa da Cultura sobre literatura em todas as plataformas. Da série Páginas Anônimas, o debate vai abranger a seguir Música: a literatura que o Brasil faz e você desconhece, às 17h. Mais tarde, às 19h, haverá pocket show com Ana Frango Elétrico, Blackyva e Matheus Torreão.

No sábado (29), a programação da Flipinha terá início às 10h, na Casa da Cultura, para debater Poesia: a literatura que o Brasil faz e você desconhece, com mediação da jornalista Bianca Ramoneda. Na Central Flipinha, às 11h30, está programado Cortejo Literário, com Noemi Jaffe. A Regata INP Flipinha sairá às 12h, da Praia do Pontal. No mesmo horário, será realizada mesa literária com o tema Assista a esse livro. Entre os participantes, a escritora e atriz Fernanda Torres.

Fernanda Torres
A programação continua às 13h30, na Central Flipinha, com meditação guiada e Cortejo Literário às 14h30, com Paloma Amado. Às15h, haverá sessão de cinema na Casa da Cultura, com Minidocs Paraty. A premiação da Regata INP Paraty está prevista para as 16h, na Praia do Pontal. Outro evento é a mesa literária Corpo: Artigo Indefinido, na Casa da Cultura, às 16h15.

No domingo (30), o programa da Flipinha destaca dois cortejos literários na Central Flipinha. O primeiro com Jacques Fux, às 11h30, e o segundo com Prisca Agustoni, às 13h30.


Fonte: Agência Brasil – Texto da repórter Alana Granda

“Milagres”, de Rodrigo Alvarez, apresenta histórias inéditas e exclusivas dos 300 anos de Nossa Senhora Aparecida


Publicada pela Globo Livros, a obra é resultado de intensa pesquisa de acontecimentos extraordinários atribuídos à santa

Em comemoração aos 300 anos da aparição da imagem de Nossa Senhora Aparecida nas águas do Rio Paraíba do Sul, na região do Vale do Paraíba, a Globo Livros lança Milagres, o livro mais completo sobre as histórias sobrenaturais relacionadas à Padroeira do Brasil. Autor dos best-sellers AparecidaMaria e Humano Demais, Rodrigo Alvarez teve a oportunidade de vasculhar o arquivo inédito da Sala das Promessas no Santuário de Aparecida para revelar aos leitores episódios verídicos e surpreendentes com precisão jornalística e fidelidade aos fatos.

Com sua equipe de pesquisa e apoio de padres e funcionários do Santuário, o escritor analisou mais de 4 mil relatos, revirou documentos e realizou entrevistas minuciosas com dezenas de brasileiros para contar as 32 histórias apresentadas na obra, que resumem o poder da santa, o maior símbolo da fé católica brasileira. Milagres é um livro reportagem com conteúdo exclusivo, que apresenta um mergulho na alma brasileira e narra, de maneira detalhada e instigante, os 300 anos de histórias sobre Nossa Senhora Aparecida.

Além de relatos atuais, como as sagas de Lourenço, que escapou da morte algumas vezes, e Lourival, um homem paraplégico que voltou a andar no caminho para Aparecida, o autor apresenta milagres históricos, alguns totalmente inéditos e outros em versões completas, como o “milagre dos monstros”, do qual, segundo a lenda, se originou a imagem de Aparecida, e o “milagre do escravo”, uma fábula de redenção transmitida de maneiras distintas ao longo dos anos. As fotos apresentadas no livro também são inéditas e reveladoras e estavam guardadas por muitos anos dentro de caixas no Santuário.


Sobre o autor

Rodrigo Alvarez é autor de seis livros, entre eles, os best-sellers Humano DemaisMaria e Aparecida. Nasceu no Rio de Janeiro e passou os últimos doze anos como correspondente da TV Globo, entre Nova York, São Francisco, Jerusalém e Berlim, na Alemanha, para onde se mudou em 2016.